Efeitos Do Montanhismo Na Biodiversidade Local E Como Reduzi-Los
O montanhismo é uma prática que une aventura, superação e contato direto com a natureza. No entanto, por trás da beleza e da sensação de liberdade, há impactos que muitas vezes passam despercebidos. As trilhas, acampamentos e atividades associadas podem afetar ecossistemas delicados, colocando em risco espécies vegetais e animais.
Compreender os efeitos do montanhismo na biodiversidade local e como reduzi-los é essencial para preservar o equilíbrio natural das áreas visitadas. Ao adotar práticas conscientes e conhecer os riscos envolvidos, cada montanhista pode se tornar um aliado da conservação, garantindo que as montanhas permaneçam saudáveis para as próximas gerações.
2. Efeitos do montanhismo na biodiversidade local
Pisoteio e compactação do solo
O tráfego contínuo de montanhistas em áreas naturais provoca a compactação do solo devido ao pisoteio repetido, especialmente nas trilhas mais populares. Essa pressão constante reduz a porosidade do terreno, dificultando a infiltração da água da chuva. Com menos espaço para o ar e a umidade no solo, a germinação das sementes e o crescimento das raízes ficam comprometidos, afetando diretamente a regeneração da vegetação nativa.
Essa compactação também cria condições para que a água da chuva escoe pela superfície em vez de ser absorvida, aumentando o risco de erosão. Durante períodos de chuvas intensas, o solo compactado atua como um corredor de drenagem, favorecendo a formação de canais e sulcos. Esses canais, com o tempo, aprofundam-se e alargam-se, carregando sedimentos para áreas mais baixas e degradando ainda mais o ecossistema.
Em muitos casos, a erosão atinge níveis tão severos que surgem enormes fendas no leito da trilha. Essas depressões dificultam a passagem e levam os montanhistas a buscar rotas alternativas pelas laterais. Esse desvio, embora pareça uma solução temporária, expande a área de impacto, pisoteando e compactando novas faixas de solo ainda preservadas.
Não é difícil encontrarmos trilhas com essas características, como no Pico da Bandeira via MG, áreas mais altas na trilha do Monte Crista em SC, na subida íngreme conhecida como Isabeloca na travessia Petro-Terê, Morro Capivari Mirim no PR, Pedra da Gávea no RJ, Trilha do Pico Paraná e vários trechos da travessia Serra Fina. São trechos expostos a céu aberto, onde possui solo frágil e sem muitas raízes para segurar o desprendimento de sedimentos.
Com a abertura desses caminhos paralelos, o ciclo de degradação se intensifica. A vegetação lateral é destruída, o solo perde estabilidade e, em pouco tempo, as áreas recém-degradadas passam a sofrer os mesmos processos erosivos da trilha original. Assim, um problema localizado pode se transformar rapidamente em uma faixa larga de terreno comprometido, exigindo intervenções de manejo para ser restaurado.
Impacto de grandes grupos e turismo de aventura organizado

Expedições com muitas pessoas, especialmente grupos de amigos ou excursões organizadas por agências de turismo de aventura, aumentam significativamente a pressão sobre trilhas e ecossistemas. O tráfego concentrado intensifica o pisoteio da vegetação, compacta o solo e acelera a erosão, afetando a fauna e flora locais de forma muito mais rápida do que visitas individuais.
A crescente exploração de áreas sem controle de acesso ou sem manejo adequado tem se tornado um problema. A falta de limites de visitantes e supervisão adequada, permite que grupos grandes causem degradação extensiva, ampliando os impactos ambientais e comprometendo a conservação das áreas naturais.
Alterações na vegetação nativa
O contato direto com plantas durante trilhas e acampamentos pode causar danos físicos, como quebra de galhos, arrancamento de mudas e destruição de áreas sensíveis. Com a redução da vegetação nativa, surgem mudanças no microclima e na disponibilidade de nutrientes do solo. Isso pode causar um efeito em cadeia, afetando insetos, aves e mamíferos que dependem dessas plantas. Assim, mesmo pequenas intervenções humanas podem provocar transformações significativas na dinâmica do ecossistema.
Quando acampamentos são montados em áreas inapropriadas, a degradação se intensifica. Muitas vezes, para abrir espaço para a barraca, os montanhistas abaixam, dobram ou até arrancam plantas rasteiras, comprometendo sua capacidade de regeneração. Isso cria clareiras artificiais, altera o microclima e acelera processos de erosão, prejudicando ainda mais a vegetação nativa e as espécies que dela dependem.
Perturbação da fauna silvestre

A presença de grupos de montanhistas pode alterar o comportamento de animais silvestres, especialmente aves e mamíferos. Ruídos, movimentação constante e aproximação excessiva forçam espécies a abandonar áreas de alimentação ou reprodução, comprometendo seu ciclo de vida.
Além do estresse causado, a fauna pode mudar seus hábitos para evitar o contato humano, deslocando-se para regiões menos adequadas à sua sobrevivência. Esse afastamento também pode aumentar a competição por recursos em outras áreas, pressionando ainda mais a biodiversidade local.
Levar pets, como cães, para trilhas intensifica esses impactos. Mesmo sob controle, cães podem perseguir ou assustar animais, deixando-os estressados ou provocando abandono de ninhos e tocas. Além disso, a presença de pets aumenta o risco de transmissão de doenças, como parasitas ou vírus, aos animais silvestres, afetando diretamente a saúde das populações locais. NUNCA LEVE SEU PET NUMA TRILHA!
Introdução de espécies invasoras
Parece impossível, mas montanhistas, ao visitar áreas de diferentes biomas, podem transportar sementes de espécies invasoras sem perceber, pois elas podem se prender a roupas, calçados e equipamentos de diversas formas. Pequenos ganchos ou estruturas adesivas de certas plantas, como o carrapicho, se aderem facilmente a tecidos, cadarços e até às fibras de mochilas. Além disso, partículas de solo presas em solas de botas ou ponteiras de bastões de caminhada, podem conter sementes microscópicas ou esporos, que são liberados em novas áreas durante a caminhada.
Espécies invasoras frequentemente se adaptam melhor a áreas degradadas, o que acelera sua expansão. Com o tempo, podem dominar grandes extensões, afetando não apenas as plantas locais, mas também toda a cadeia alimentar associada. Prevenir essa introdução requer atenção redobrada à limpeza de equipamentos antes e depois das expedições.
3. Impactos indiretos do montanhismo nos ecossistemas
Produção de lixo e poluição
Mesmo pequenas quantidades de lixo deixadas nas trilhas ou acampamentos podem causar grandes impactos ambientais. Resíduos orgânicos atraem animais para áreas de uso humano, alterando seus hábitos alimentares e aumentando riscos de doenças. Materiais não biodegradáveis, como plásticos e metais, permanecem por décadas no ambiente, poluindo o solo e a água.
Até restos de comida aparentemente inofensivos, como cascas de frutas ou sobras de alimentos, podem causar problemas. Esses resíduos biodegradáveis carregam bactérias da boca humana que, ao serem ingeridas por animais, podem provocar sérias doenças e desequilibrar o ecossistema local.
Além disso, produtos químicos presentes em filtros solares e repelentes podem contaminar cursos d’água, afetando organismos aquáticos e comprometendo a qualidade da água utilizada por fauna, flora e comunidades humanas próximas.
A gestão adequada de resíduos é essencial para mitigar esses problemas. Ao levar todo o lixo de volta e evitar deixar restos de comida na trilha, o montanhista contribui para a preservação da biodiversidade e mantém o ambiente seguro para todas as espécies.
Erosão e assoreamento de corpos d’água
O uso intenso de trilhas e a falta de manejo adequado podem expor o solo, facilitando processos erosivos. Com a chuva, partículas de terra são carregadas para rios e lagos, provocando assoreamento e redução da profundidade desses corpos d’água. Com efeito causam ainda mais transbordamento do rio.
Esse processo prejudica espécies aquáticas, que perdem áreas de reprodução e alimentação. A água turva também reduz a penetração da luz solar, impactando algas e plantas aquáticas. A construção de trilhas bem planejadas e a manutenção regular ajudam a evitar que o montanhismo acelere a erosão e o assoreamento.
Pressão turística e fragmentação de habitats
O crescimento do turismo em áreas de montanha pode levar à construção de estradas, estacionamentos e outras estruturas, fragmentando habitats naturais. Isso dificulta o deslocamento de animais e isola populações, reduzindo sua diversidade genética.
Além disso, a presença constante de visitantes aumenta a demanda por recursos locais e intensifica o uso de trilhas. Esse cenário pode resultar em perda de áreas naturais contínuas, tornando os ecossistemas mais vulneráveis a eventos climáticos extremos. Um turismo controlado e bem planejado é fundamental para minimizar esse tipo de impacto.
4. Como reduzir os efeitos do montanhismo na biodiversidade

Planejamento e manutenção de trilhas
A criação e manutenção de trilhas bem definidas ajudam a concentrar o fluxo de visitantes, evitando que áreas sensíveis sejam degradadas. Trilhas planejadas levam em conta o relevo, a vegetação e o escoamento da água, reduzindo impactos como erosão e compactação do solo.
Degraus de madeira no solo e Drenos
Manutenções periódicas incluem a instalação de sinalização adequada e a correção de pontos de desgaste. Dentre muitas ações, elas podem incluir a construção de degraus com tábuas, que diminuem a velocidade da água, acumulam sedimentos e evitam a formação de sulcos erosivos, e também incluem instalações de drenos estratégicos, que desviam o fluxo para áreas laterais, protegendo o solo e a vegetação adjacente, garantindo que o impacto do tráfego humano seja minimizado.
Falsas Trilhas
É importante também fechar caminhos que não levam a lugar nenhum, como pequenos riachos secos ou trilhas erradas. Se esses desvios não forem bloqueados, os visitantes continuam criando novas rotas, degradando a vegetação e ampliando a compactação do solo em áreas que poderiam permanecer preservadas.
Via Ferrata (grampos, cordas e correntes)
Em trechos íngremes rochosos, a instalação de grampos ou cordas em pontos estratégicos é essencial (via ferrata). Eles orientam o montanhista a subir pelo apoio artificial, evitando que se agarre à vegetação lateral. Geralmente são instalados por órgãos gestores dos parques ou clubes de montanhismo.
A ausência de uma via ferrata, faz com que o visitante prefira subir pelo mato, do que se arriscar pela subida em aderência na rocha. No entanto, se esse mesmo montanhista se depara com uma sequência bem planejada de grampos na sua frente, ele irá preferir subir pelo grampo instalado na rocha, sentindo-se seguro.
Uma montanha (dentre muitas outras) de exemplo, em que cada vez mais essa preciosa vegetação lateral é agredida (e perdida), é o Morro Escalavrado em Guapimirim, no Parque Nacional da Serra dos Órgãos no estado RJ. Trata-se de uma ascensão muito íngreme e extremamente perigosa, sendo recomendada somente para trilheiros muito experientes. O trajeto é de subida forte e constante. A maioria dos grupos inexperientes, contratam guias para as auxiliarem nas escalaminhadas, instalando as cordas temporárias, porém somente nos trechos de grande exposição. A maioria dos trechos com opção visual de subida pela rocha ou pela e vegetação, é observado que a preferência esmagadora das pessoas é pela subida pelo mato na lateral. Esse comportamento compromete a capacidade da vegetação de proteger o solo da erosão, levando à formação de trilhas paralelas e à perda de espécies nativas. Com o tempo, a área degradada aumenta, afetando a biodiversidade local e tornando o terreno mais instável e perigoso.
Tanto se fala: “Da natureza só se leva fotografias”, mas que na prática, pouco se faz para reduzir danos como o pisoteio da vegetação lateral em trilhas íngremes com rocha. Em muitos percursos, especialmente nos trechos de escalaminhada, montanhistas ainda utilizam plantas como apoio para subir, arrancando as raízes, quebrando os galhos e comprometendo a estabilidade do solo. Essa contradição entre discurso e prática mostra que não basta evitar retirar elementos da natureza, é preciso também repensar a forma de transitar por ela, adotando técnicas seguras e sustentáveis que preservem a flora e mantenham o ambiente saudável.
É claro que não é defendido aqui que sejam instalados dezenas ou centenas de grampos enfileirados numa montanha. Mas sim em trechos estratégicos de apoio essencial, para que o visitante não cometa o crime de colocar o pé “naquela espécie nativa em risco de extinção”!
Práticas de mínimo impacto ambiental
Adotar condutas de mínimo impacto, como a filosofia Leave No Trace, é essencial para preservar os ecossistemas de montanha. Isso inclui levar todo o lixo de volta, não fazer fogueiras e não coletar plantas ou animais.
Outra prática importante é limitar o tamanho dos grupos, diminuindo a pressão sobre o ambiente. Ao seguir essas orientações, o montanhista contribui para que as áreas naturais mantenham sua biodiversidade e beleza para as próximas gerações.
Em expedições que duram mais de um dia, o manejo adequado de resíduos humanos torna-se essencial para evitar contaminação do solo e da água. O uso do shit tube, um recipiente próprio para armazenar fezes de forma segura até o descarte adequado, é uma prática recomendada em áreas de preservação. Essa medida reduz o risco de proliferação de bactérias, evita o mau cheiro nas trilhas e impede que nutrientes e microrganismos presentes nos dejetos humanos alterem o equilíbrio dos ecossistemas locais. Além disso, demonstra responsabilidade ambiental por parte dos montanhistas, preservando a saúde da fauna, da flora e dos visitantes.
Não fazer fogueiras
A prática de acender fogueiras em áreas naturais pode causar impactos severos ao meio ambiente. Além do risco de incêndios florestais, que podem destruir grandes áreas de vegetação nativa, o calor excessivo danifica o solo, mata microrganismos e deixa marcas permanentes na paisagem. Muitas vezes, pedras e troncos utilizados para improvisar fogueiras são deslocados, alterando pequenos habitats de insetos e répteis.
Optar por fogareiros portáteis é uma alternativa segura e de baixo impacto. Esses equipamentos reduzem o risco de queimadas e evitam danos irreversíveis ao ambiente.
Educação ambiental de montanhistas
A conscientização é uma das ferramentas mais eficazes para reduzir impactos. Programas de educação ambiental ensinam sobre a importância da fauna, flora e das práticas sustentáveis em áreas naturais.
Guias, clubes e organizações podem promover oficinas, palestras e campanhas informativas. Quanto mais informado o visitante, maior a probabilidade de adotar comportamentos que protejam a biodiversidade local.
Incentivo ao ecoturismo responsável
O ecoturismo responsável busca equilibrar a experiência do visitante com a conservação do meio ambiente. Isso envolve parcerias com comunidades locais, geração de renda sustentável e respeito aos limites de carga das áreas naturais.
Ao priorizar operadores e destinos comprometidos com a conservação, o montanhista ajuda a financiar projetos de preservação. Essa abordagem garante que a prática esportiva também contribua para a manutenção da biodiversidade.
Conclusão
O papel do montanhista na preservação ambiental
Proteger a biodiversidade depende de escolhas conscientes em cada trilha percorrida. Ao adotar práticas responsáveis e compreender os impactos da atividade, o montanhista se torna um agente ativo na conservação. Assim, é possível desfrutar das montanhas com respeito, garantindo que sua beleza e equilíbrio ecológico permaneçam para as próximas gerações.